Comentário Exegético Profundo da Leitura Bíblica em Classe
Gênesis 3: 1, 6, 7; Romanos 5:12-14
GÊNESIS 3:1 – “Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?”
Este versículo abre uma das narrativas mais intrigantes da Bíblia, apresentando a serpente como mediadora da tentação e do questionamento à Palavra de Deus. Do ponto de vista protestante, tradicionalmente se entende que a queda humana tem início justamente nessa distorção sutil da ordem divina.
A cena coloca a serpente como figura que simboliza engano e astúcia, lançando dúvida sobre o caráter e a bondade de Deus. Embora o texto não especifique, o entendimento cristão posterior identifica essa serpente com Satanás (cf. Ap 12:9). É crucial notar como, nesse contexto antigo, o ato de questionar “É assim que Deus disse?” revela não apenas curiosidade, mas uma astuta tentativa de inverter o que fora ordenado.
Perspectivas Históricas e Culturais
- Simbolismo da serpente no Antigo Oriente Médio: No ambiente cultural do Antigo Oriente Médio, cobras e serpentes muitas vezes estavam associadas à sabedoria ou a poderes ocultos. Alguns povos vizinhos de Israel viam a serpente como amuleto de cura ou símbolo de divindades associadas ao submundo. Contudo, em Gênesis, a serpente aparece como adversária do propósito divino.
- O Jardim como lugar sagrado: No pano de fundo cultural, jardins murados ou cercados remetem a templos e espaços de comunhão com a divindade. A intrusão da serpente nesse “lugar santo” sublinha o caráter de profanação e quebra de aliança.

Destaques Teológicos
- Autoridade divina questionada: O diálogo abre a porta para o que chamamos de “rebelião” ou “queda”. No pensamento protestante, há forte ênfase na confiança na Palavra de Deus. O versículo revela que o primeiro passo para o pecado consiste em duvidar, reinterpretar ou minimizar a verdade divina.
- Sutileza do engano: A serpente não simplesmente contradiz a Deus de modo grosseiro; ela reformula a ordem divina para gerar confusão. Esse método de distorcer as palavras de Deus é, mais tarde, reconhecido no Novo Testamento como típico das forças opositoras à vontade do Senhor (cf. 2Co 11:3).
- A preparação para a queda: Gênesis 3:1 é o prelúdio do ato que virá em seguida. Ele demonstra que a tentação começa na mente e nos sentidos, antes de se concretizar em ação. No protestantismo, isso reforça a doutrina de que o pecado brota de dentro do coração humano quando este se inclina a escutar vozes contrárias à Palavra de Deus.
Palavras-Chaves em Hebraico
- נָחָשׁ (naḥash) – “serpente”. Significado: Literalmente “serpente”. Em contextos bíblicos, pode ter a conotação de um ser astuto e perigoso. Aplicação: A figura da serpente aponta para o poder sedutor do mal, que pode se disfarçar de algo familiar ou inofensivo para minar a obediência à Palavra de Deus.
- עָרוּם (ʿārûm) – “astuto” ou “sagaz”. Significado: Adjetivo que denota sagacidade, esperteza ou prudência. Curiosamente, em Provérbios, a prudência (irmã linguística de עָרוּם) pode ser vista como virtude. Já aqui, essa mesma “astúcia” é usada negativamente contra Deus. Aplicação: Lembra-nos que habilidades e inteligência não são neutras; podem ser usadas para o bem ou para o mal. Para o cristão, a verdadeira sabedoria (cf. Tg 3:17) deve estar alinhada com o temor do Senhor, não com a distorção da Sua Palavra.
- הָאִשָּׁה (hā·ʾiššāh) – “a mulher”. Significado: O termo genérico “mulher” no texto bíblico. Observa-se que o diálogo se dá diretamente com ela, destacando sua participação ativa na narrativa. Aplicação: Mostra como o inimigo atinge o alvo ao aproximar-se de forma pessoal e direta. No âmbito teológico, enfatiza a vulnerabilidade humana diante do engano quando a confiança total em Deus é abalada.
Importante: Um detalhe que poucos notam: A mesma raiz de “serpente” (נָחָשׁ) pode também se relacionar a práticas de adivinhação (como “nachash”, significando “adivinhar” em alguns contextos, cf. Gn 44:5). Há aí uma insinuação de que a serpente não apenas engana, mas pretende “revelar segredos”. Em Gênesis 3, ela parece oferecer um “conhecimento” que Deus estaria ocultando. Essa oferta de “conhecimento secreto” ecoa o perigoso fascínio por revelações que distorcem a Palavra divina—ainda hoje, “atalhos” espirituais e promessas de conhecimento extra podem seduzir crentes a saírem do caminho reto.
Gênesis 3:1 nos apresenta o cenário em que a serpente, com sutileza, questiona a autoridade divina e abre a porta para a entrada do pecado no mundo. Historicamente, a figura da serpente no Antigo Oriente Médio remete tanto à sabedoria quanto ao perigo. Teologicamente, o versículo mostra que o mal não necessariamente se apresenta de forma óbvia, mas frequentemente se veste de argumentos astutos que tentam torcer a Palavra de Deus. Assim, para o cristão, a lição-chave é cultivar uma confiança sólida na revelação divina, evitando “atalhos” espirituais que, em última análise, levam ao engano e à queda.

GÊNESIS 3:6 – “E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.”
Neste versículo, culmina o ato da desobediência humana que inaugura a queda. A mulher, seduzida pela aparência e promessa implícita de sabedoria, decide tomar o fruto proibido. Em sequência, entrega-o também a seu marido, estabelecendo um rompimento coletivo com a ordem divina. Para a teologia protestante, esse ato não é apenas um “erro” humano; é o evento que traz consequências cósmicas e espirituais, afetando toda a criação (cf. Rm 5:12).
O texto mostra que o pecado não surge apenas de um momento de tentação externa (a serpente), mas também de uma escolha interna consciente, baseada no desejo, na atração e na vontade de ser como Deus (cf. Gn 3:5). Assim, a queda é caracterizada por um ato concreto: “tomou… comeu… deu…”. A ação revela como o coração humano, ao desejar o que Deus havia proibido, cedeu à tentação e compartilhou esse pecado, implicando a humanidade inteira nesse afastamento de Deus.
Destaques Teológicos
- Decisão Consciente: O texto enfatiza que a mulher “viu” e “tomou” o fruto. Não foi um ato inconsciente, mas deliberado, demonstrando que o pecado inclui vontade e consciência, não apenas ignorância.
- Afastamento da Dependência: A queda não é apenas moral; é relacional. A atitude de comer o fruto proibido representa a busca de autonomia humana em detrimento da confiança plena no Criador.
- Consequência Compartilhada: O homem também participa ativamente do ato. Dessa forma, não se trata de um erro isolado, mas de um rompimento que envolve toda a humanidade na culpa e, posteriormente, na necessidade de redenção. Essa unidade entre homem e mulher, agora caída, prepara o cenário para a redenção que será plenamente revelada em Cristo (cf. Rm 5:15-19).
Palavras em Hebraico
- רָאָה (rāʾāh) – “viu”. Significado: Perceber com os olhos, contemplar. No contexto, não apenas a visão física, mas um ato de discernimento que envolve avaliação e desejo. Aplicação Teológica: Antes de qualquer ação, o pecado começa no “olhar” que contempla e cobiça o que Deus proibiu. A visão simboliza o ponto de partida para a tentação interior.
- חָמַד (chāmad) – “desejar / cobiçar”. Significado: Indica anseio profundo e intenso, frequentemente associado a cobiça ou desejo impuro. Em Gênesis 3:6, a árvore é “desejável” para dar entendimento. Aplicação Teológica: Revela que a raiz do pecado envolve o querer algo que ultrapassa os limites estabelecidos por Deus. A cobiça precede a queda; por isso, as Escrituras advertem contra os desejos que nos afastam do propósito divino (cf. Êx 20:17).
- לָקַח (lāqach) – “tomar”. Significado: Aponta para o ato de pegar, agarrar, apropriar-se de algo. No texto, é a ação concreta de tomar o fruto. Aplicação Teológica: Explicita o passo final do pecado: da tentação interior à realização exterior. Uma vez que o coração já cobiçou, o próximo estágio é a apropriação real do que foi proibido.
Importante: Embora o ato pareça simples — “tomar e comer” — a narrativa molda todo o drama da redenção futura: o mesmo Deus que criou a árvore e o jardim já planejava, desde a fundação do mundo, a vinda de Cristo como o “último Adão” (1Co 15:45). Nesse quadro, Gênesis 3:6 se torna o “início histórico” da necessidade da salvação, pois a humanidade, que escolheu a rebeldia, teria de ser resgatada por um ato supremo de obediência, encabeçado pelo próprio Filho de Deus.
Gênesis 3:6 representa o momento decisivo em que a liberdade concedida por Deus é usada contra o próprio Criador. Em termos teológicos, o pecado se manifesta como uma fusão de tentação externa e desejo interno que resulta em ação concreta. Assim, o versículo aponta para a profundidade da necessidade humana de redenção — uma necessidade plenamente atendida em Jesus Cristo, que vem para restaurar o relacionamento rompido e oferecer vida eterna àqueles que, outrora, escolheram a morte.
GÊNESIS 3:7 – “Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.”
Este versículo retrata o efeito imediato da desobediência ao mandato divino. Antes, o homem e a mulher possuíam comunhão perfeita com Deus e viviam em harmonia, mas agora experimentam vergonha e vulnerabilidade. O “abrir dos olhos” não representa apenas um ganho de percepção, mas o surgimento de um conhecimento que gera culpa e medo. Essa mudança profunda sinaliza o distanciamento entre a humanidade e o Criador, delineando a quebra do relacionamento pleno que antes existia.
A tentativa de “cobrir a nudez” com folhas de figueira revela o esforço humano de lidar com o pecado por meios próprios, simbolizando tentativas de “autojustificação” ou “autossalvação”. Porém, ao longo do restante das Escrituras, especialmente no pensamento protestante, fica claro que apenas Deus pode oferecer a verdadeira solução para o pecado (cf. Gn 3:21, onde o Senhor providencia vestimentas).
Destaques Teológicos
- Consciência do Pecado: O homem e a mulher se tornam conscientes de sua nudez, um estado que antes não gerava vergonha (Gn 2:25). Agora, a vergonha e o desconforto indicam que algo vital se perdeu em termos de pureza e intimidade com Deus.
- Tentativa Humana de Remédio Próprio: Ao coser folhas de figueira, o casal tenta lidar com as consequências do pecado de maneira independente. Esse ato simboliza a tendência humana de buscar soluções próprias para reparar a distância de Deus, algo que falha em restaurar o relacionamento original.
- Início da Necessidade de Redenção: O reconhecimento de sua condição abre a porta para a doutrina da necessidade de um Redentor. No protestantismo, entende-se que a satisfação para o pecado não está no remendo humano, mas em Cristo, que cobre nossa vergonha e nos reconcilia com o Pai.
Palavras em Hebraico
- עַיִן (ʿayín) – “olhos”. Significado: Literalmente “olhos”, indica tanto a visão física quanto a percepção ou entendimento. Aplicação Teológica: “Abriram-se os olhos” sinaliza a mudança de estado espiritual e moral. Agora, eles percebem a própria nudez e o peso da culpa, ilustrando que o conhecimento obtido fora da vontade divina traz consigo vergonha e separação de Deus.
- עָרוֹם (ʿārôm) – “nu”. Significado: Refere-se à falta de roupas, mas o termo, no contexto, carrega a ideia de vulnerabilidade e desproteção. Aplicação Teológica: Antes do pecado, a nudez não provocava constrangimento (Gn 2:25). Depois do pecado, a palavra “nu” passa a representar a vergonha e o estado frágil em que a humanidade se encontra longe da santidade de Deus.
- תָּפַר (tāfar) – “coser” ou “costurar”. Significado: Designa o ato de unir ou costurar algo, no caso “folhas de figueira”. Aplicação Teológica: Mostra a reação humana à culpa: tentar “remendar” as consequências do pecado. No entanto, esse “remendo” é insuficiente para reparar a ruptura espiritual causada pela desobediência, apontando para a necessidade de uma solução divina.
Importante: A expressão “abriram-se os olhos” está ligada ao discernimento moral que até então o casal não experimentara. Curiosamente, o mesmo poder de discernir (entre o bem e o mal) que a serpente havia prometido (Gn 3:5) mostra-se uma maldição na prática, pois gera vergonha e culpa, não liberdade. Essa ironia realça a profundidade do engano: eles buscavam ser “como Deus”, mas acabaram descobrindo a própria fraqueza.
Gênesis 3:7 expõe a dimensão imediata do pecado: vergonha, culpa e a tentativa humana de resolver o problema sem Deus. Esse quadro esboça o surgimento de uma humanidade que, em sua rebeldia, percebe a própria nudez moral e espiritual. Para a teologia protestante, esse versículo aponta diretamente para a insuficiência de todos os esforços humanos de autojustificação e para a misericórdia divina que, ao longo das Escrituras, prepara o caminho da restauração em Cristo.
Este versículo marca o início de uma argumentação crucial do apóstolo Paulo, em que ele apresenta o contraste entre “um homem” (Adão) e “um outro homem” (Cristo). Romanos 5 situa-se após Paulo desenvolver a doutrina da justificação pela fé, mostrando que todos — judeus e gentios — são pecadores e necessitam dessa justificação (cf. Rm 3:23). Agora, em Romanos 5:12, Paulo introduz a ideia de como o pecado entrou na história humana por meio de Adão, afetando toda a humanidade, e fará um paralelo apontando Cristo como a solução divina para a ruína provocada pelo primeiro homem.
Perspectivas Históricas e Culturais
- Data e local: A Epístola aos Romanos foi escrita possivelmente em Corinto, por volta de 56-57 d.C., e endereçada à comunidade cristã em Roma, composta de judeus e gentios.
- Entendimento judaico do pecado original: Embora não haja uma formulação sistemática de “pecado original” no Judaísmo do período, a queda de Adão (Gn 3) já era vista como evento que introduziu a condição pecaminosa no mundo. Paulo, como fariseu convertido, aprofunda essa percepção apresentando a universalidade do pecado e a necessidade de intervenção divina.
Destaques Teológicos
- A universalidade do pecado: Paulo declara que todos pecaram porque a raiz do pecado (hamartia) “entrou” no mundo e foi transmitida a toda a raça humana. A visão protestante enfatiza aqui a “imputação” do pecado de Adão, tornando toda a humanidade culpada e depravada diante de Deus (cf. Salmo 51:5).
- O surgimento da morte: A morte é apresentada não apenas como evento biológico, mas como penalidade que acompanha o pecado. Para Paulo, a morte física e a morte espiritual caminham juntas quando o homem se afasta de Deus.
- Preparação para o contraste com Cristo: Após descrever as consequências devastadoras do ato de Adão, Paulo passa a contrapor essa realidade com a obediência de Cristo, que traz vida e justificação (Rm 5:18-19). O versículo 12, portanto, é o “ponto de partida” para o grande contraste que culmina na salvação oferecida em Jesus.
Palavras-Chaves em Grego
- ἁμαρτία (hamartía) – “pecado”. Significado: Originalmente “errar o alvo”, mas no Novo Testamento tem conotação mais profunda de falha moral e rebelião contra Deus. Aplicação: Em Romanos 5:12, Paulo retrata o pecado como uma força que entrou no mundo por meio de Adão, corrompendo a criação e promovendo o afastamento do ser humano em relação ao Criador. No pensamento protestante, essa “corrupção” é a base da doutrina do pecado original, a qual afeta todo e qualquer indivíduo.
- εἰσῆλθεν (eisēlthen) – “entrou”. Significado: Verbo que descreve a ação de “entrar” ou “penetrar”. No grego do Novo Testamento, muitas vezes indica um evento marcante que muda o curso das coisas. Aplicação: Paulo personifica o pecado, descrevendo-o como algo que “invadiu” a existência humana através da queda de Adão. Esse “entrar” mostra que o pecado não era parte da criação original de Deus, mas passou a fazer parte da experiência humana devido à desobediência.
- θάνατος (thánatos) – “morte”. Significado: Pode referir-se à morte física e/ou espiritual. No contexto paulino, frequentemente implica separação de Deus, além do fim da vida física. Aplicação: Em Romanos 5:12, a morte aparece como consequência direta do pecado. Dentro da teologia protestante, essa morte inclui não só o término do ciclo vital, mas a condenação espiritual — isto é, a ruptura do relacionamento entre criatura e Criador, necessitando de redenção.
Importante: A expressão “por isso que todos pecaram” (ἐφ᾽ ᾧ πάντες ἥμαρτον)tem sido alvo de intensos debates ao longo da história da Igreja. Alguns intérpretes antigos viam nisso a ideia de “porque todos pecaram individualmente”. Já na perspectiva agostiniana e protestante posterior, a ênfase recai sobre a imputação do pecado de Adão e a transmissão do estado pecaminoso. O curioso é que essa discussão linguística impactou diretamente as grandes controvérsias sobre a natureza humana, inclusive nos debates da Reforma, quando se discutia a depravação total (vocábulo caro aos Reformadores) e a necessidade absoluta da graça divina para a salvação.
Esse detalhe de tradução e interpretação não é mero academicismo: ele moldou a forma como entendemos a condição humana perante Deus. Ou seja, o “por isso que todos pecaram” não se limita apenas a “todo mundo peca porque decidiu pecar conscientemente”, mas aponta para um estado universal de culpa decorrente da queda, que somente Cristo pode reverter.
Romanos 5:12 é um versículo-chave para entender a doutrina do pecado original e a universalidade da morte como consequência do pecado. A queda de Adão afetou toda a humanidade, tanto em termos de culpa quanto de corrupção. Em contraste com essa realidade sombria, a teologia protestante enfatiza que o mesmo Deus que permitiu a entrada do pecado no mundo também proveu a solução suprema em Cristo, o “segundo Adão”, que traz justificação e vida. Assim, o verso não apenas descreve a tragédia da condição humana, mas prepara o cenário para a extraordinária boa-nova do Evangelho: onde abundou o pecado, superabundou a graça.
ROMANOS 5:13 – “Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei.”
Neste versículo, Paulo expõe a relação entre pecado e lei, destacando que o pecado já existia no mundo antes do surgimento da Lei dada a Moisés. Mesmo assim, não havia uma imputação formal desse pecado, pois a Lei é o instrumento que define e evidencia de maneira clara a transgressão. Esse argumento faz parte da discussão acerca da universalidade do pecado iniciada em Romanos 5:12, mostrando que a falta de uma lei escrita não elimina a realidade do pecado na vida humana.
A ênfase está na maneira como a Lei de Deus torna a transgressão explícita: sem um padrão estabelecido, o pecado não recebe a mesma dimensão judicial de “culpa formal”. Contudo, isso não significa ausência total de condenação, pois a morte (consequência do pecado) já reinava de Adão até Moisés (v.14). O ponto de Paulo é preparar a conclusão de que todos estão debaixo de pecado e necessitam da graça divina.
Destaques Teológicos
- Pecado pré-existente: Mesmo antes de a Lei mosaica ser promulgada, o pecado já estava presente e reinante, evidenciado pela morte (cf. v.14). Isso reforça o ensino de que a ofensa de Adão afetou a todos, independentemente de terem ou não o código escrito.
- Imputação em foco: Paulo mostra que, sem lei, não havia uma “contabilização” do pecado em termos de transgressão específica. Quando a lei vem, o pecado ganha contornos definidos, revelando a culpa humana de maneira inequívoca.
- Preparação para a obra de Cristo: Esse ensino sobre a extensão e profundidade do pecado (antes mesmo de haver lei) enfatiza a necessidade universal de um Redentor. Cristo vem não apenas para aqueles que violaram a Lei conscientemente, mas para todos os que estão sob a condição de pecadores, desde Adão.
Palavras-Chaves em Grego
- ἐλλογέω (ellogeō) – “imputar”. Significado: Atribuir algo à conta de alguém, “lançar na conta”. Aqui se relaciona à ideia de responsabilização ou registro legal de uma culpa. Aplicação: Sem lei, o pecado não era “imputado” num sentido formal de transgressão codificada; ainda assim, sua realidade letal permanecia.
- νόμος (nómos) – “lei”. Significado: Refere-se às instruções ou mandamentos divinos, especialmente associados à Lei mosaica. Aplicação: A “lei” revela o caráter santo de Deus e fornece um padrão objetivo que expõe a transgressão humana. Paulo destaca, porém, que a ausência da lei não elimina a presença do pecado no mundo caído.
Importante: A afirmação de que o pecado “não é imputado, não havendo lei” pode levar alguns a crer que pessoas sem lei estariam “inocentes”. No entanto, Paulo já dissera em Romanos 2:12-15 que o testemunho interior (a lei escrita no coração) existe para todos, sem que isso anule a universalidade do pecado. Ou seja, a falta da lei mosaica não implica ausência de condenação, mas sim ausência de uma tipificação formal da transgressão. Isso sublinha ainda mais a culpa comum e a consequente necessidade de salvação em Cristo.
Romanos 5:13 aprofunda o argumento de que o pecado e a morte reinaram sobre toda a humanidade, mesmo antes do estabelecimento da Lei de Moisés. A “não imputação” formal não significa ausência de culpa diante de Deus, mas aponta para o fato de que, quando a Lei vem, ela explicita a transgressão de modo irrefutável. Em última análise, esse versículo sustenta a doutrina de que toda a humanidade está em igual condição de pecado e, portanto, carente da graça redentora revelada em Cristo.
ROMANOS 5:14 – “No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir.”
Romanos 5:14 conclui o argumento iniciado por Paulo no verso anterior, deixando claro que, ainda que a Lei de Moisés não estivesse em vigor, a morte continuou a exercer domínio ininterrupto sobre a humanidade. O motivo é que o pecado de Adão — que introduziu a realidade da condenação para todo o gênero humano — não se limita a transgressões específicas, mas afeta a todos por sua condição derivada do primeiro homem.
A menção de que “muitos não pecaram à semelhança da transgressão de Adão” indica que, ainda que não houvesse uma proibição idêntica à do Éden, o efeito do pecado permaneceu inalterado, pois a morte continuou seu “reinado”. Por fim, Adão é apresentado como “figura daquele que havia de vir” — ou seja, um tipo (protótipo) cujo ato afetou toda a humanidade, apontando para o ato redentor de Cristo, que também gera efeitos universais, mas em sentido oposto: vida em lugar de morte.
Destaques Teológicos
- Continuidade do poder da morte: O versículo ressalta que a morte não dependeu da revelação de um mandamento específico para continuar a afetar toda a humanidade. Seu “reinado” tem origem no pecado original e independe de uma transgressão igual à de Adão.
- Transgressão de Adão e seus “semelhantes”: Nem todos pecaram de modo idêntico ao primeiro homem (que desobedeceu a uma ordem direta). Porém, isso não anula o alcance universal das consequências do pecado, pois a condição pecaminosa é suficiente para a morte reinar.
- Adão como tipo de Cristo: O texto antecipa a conclusão do argumento de Paulo (v. 15-19), em que Cristo será comparado a Adão. O primeiro trouxe morte e condenação, enquanto o segundo traz vida e justificação. Assim, Adão é figura (tipo) profética da obra salvífica que seria consumada em Cristo.
Palavras-Chaves em Grego
- βασιλεύω (basileúō) – “reinar”. Significado: Exercer autoridade real ou domínio. Aqui, descreve a forma como a morte exerceu poder incontestável sobre todos, de Adão a Moisés. Aplicação: Ilustra a abrangência do efeito do pecado original, que transforma a morte num “soberano” sobre a humanidade caída, até que Cristo venha destronar esse “reinado” pela sua obra.
- παράβασις (parábasis) – “transgressão”. Significado: Quebra deliberada de um limite ou mandamento. Paulo descreve a desobediência de Adão como uma “transgressão” específica, ainda que outros não tenham cometido a mesma falta exata. Aplicação: Destaca que houve um ponto de ruptura no Éden. Mesmo sem cometer a mesma desobediência, cada pessoa herda as consequências do pecado original, revelando nossa necessidade de graça.
- τύπος (týpos) – “figura” ou “tipo”. Significado: Designa um modelo ou símbolo que antecipa uma realidade maior. Paulo emprega o termo para mostrar que Adão é o “tipo” de Cristo, estabelecendo um paralelo entre o ato de Adão (queda) e o ato de Cristo (redenção). Aplicação: Realça a estrutura “tipo / antítipo” comum nas Escrituras, em que um personagem ou evento anterior aponta profeticamente para um cumprimento mais pleno em Cristo.
Importante: A expressão “mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão” joga luz na distinção entre pecado por violação de mandamento e pecado por natureza decaída. Ainda que alguns não tivessem uma lei específica para desobedecer, isso não os isentava da consequência da morte — ela reinava independentemente. Essa abrangência ressalta que a raiz do problema está na herança do pecado original e não apenas na prática de atos pecaminosos.
Romanos 5:14 reforça o argumento de Paulo sobre a universalidade do pecado e da morte, demonstrando que a falta de uma lei não impediu a morte de “reinar”. Ao mesmo tempo, introduz a figura de Adão como protótipo que aponta para Cristo: assim como pelo ato de Adão o pecado entrou e se espalhou, pelo ato redentor de Cristo virá a restauração e a vida. O crente, portanto, reconhece em Adão a fonte de condenação e, em Cristo, a fonte de salvação — uma mensagem central na teologia paulina e pedra angular da fé protestante.