Precisamos ensinar teologia às crianças, adolescentes e aos jovens?
Temos que interiorizar o ensino teológico junto a nossas crianças e jovens.
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Sou um entusiasta do estudo. Qualquer coisa aproveitável vale a pena ser lida, estudada e compreendida. Línguas, literatura, marketing, administração, filosofia, teologia. Tenho uma boa biblioteca e passo excelentes e prazerosos momentos conhecendo como era o Brasil há 200 anos, qual a nuance de determinados termos em grego ou hebraico, como eram os costumes em tempos bíblicos, quais as metáforas que fazem a engrenagem do consumo, como funciona uma linguagem de programação, além de usufruir das facilidades da tecnologia para o aprendizado. Tudo que se relaciona ao conhecimento me fascina, embora tenha de priorizar um ou outro tema, enquanto desprezo outros, afinal tenho um cérebro só.
Paralelamente a gostar de ler e estudar, gosto de compartilhar. Fiz a primeira apostila aos 18 anos, para a classe de jovens da EBD na qual atuava em Cruz de Rebouças II, Igarassu/PE. Coisa datilografada, tosca para os padrões atuais, mas uma inovação para a época. Nada cobrei dos alunos, forneci o material pelo prazer de compartilhar conhecimento. Brindei inúmeros jovens com livros, uma premissa das jornadas bíblicas e outros eventos que promovemos. Eram eventos grandes, para 200, 300 e até 600 jovens e adolescentes. Fui professor de EBD, depois vice-dirigente, dirigente, vice-superintendente. Sou, por misericórdia, aluno assíduo da EBD e professor de seminário teológico, além de ajudar, eventualmente, algumas Escolas Dominicais trazendo resumos e aulas. Portanto, suponho que tenho alguma credencial para falar do tema educação bíblica e teológica para crianças, adolescentes e jovens.
Evidentemente, algumas situações me estimulam a falar desse tema. Dias atrás li uma frase atribuída a Paul Washer, cujo teor exato não lembro agora, na qual estava escrito o seguinte[*]:”Seus filhos irão para a escola e eles serão treinados em torno de 15.000 horas em pensamento ateísta secular. Depois, eles vão para a Escola Dominical para colorir um desenho da arca de Noé. Você acha que essas crianças irão conseguir lutar contra as mentiras que estão sendo ensinadas na escola?“. Ele enfatizava a quantidade de horas que uma criança passa recebendo valores seculares, em contraste com a quantidade de horas que efetivamente aprendem as verdades bíblicas.
Outra inspiração me vem da imagem abaixo, que eu compartilhei de algum perfil amigo no meu Facebook:
Não tive como confirmar se o nobre Pr. Josemar Bessa realmente afirmou isso, mas faz todo sentido o que está escrito. A verdade é que muitas vezes achamos cansativo ensinar algo mais aprofundado sobre a Bíblia às crianças ou aos jovens. Segundo um pensamento corrente distorcido teologia cansa nossos pupilos.
Os pentecostais preferimos cultos efusivos, esperando que um avivamento resolva todos os problemas. Entenda, nada contra nossos cultos, muito menos contra o avivamento e ainda menos contra cultos animados. É que, definitivamente, a estratégia não tem funcionado. Especialmente quando essas crianças e adolescentes vão crescendo e sendo confrontados com a realidade da vida. A conclusão óbvia é que boa parte dos nossos adolescentes e jovens não está apta para debates apologéticos e se sentiria incapaz de discorrer sobre muitas de nossas doutrinas, coisa básica mesmo.
Como afirmei há pouco, uns dirão que os jovens não precisam de teologia. Outros que não estão interessados. Cada vez mais ouço de jovens que abandonam a Igreja ao ir para a universidade. Ou se embaraçam quando determinados assuntos são tratados em sala de aula. Os mais pragmáticos preferem pensar que é mundanismo (aquela vontade de cair no mundo…). Precisamos pensar sobre o que estamos fazendo a respeito. Comecemos analisando como a escola secular funciona.
Em primeiro lugar, ela premia os melhores, os que estudam, os que se dedicam. Por vezes, um jovem vestido de acordo com os padrões da denominação nos basta. Pensamos: se no check list exterior está bem, o resto é acessório. Ledo engano. Imagine um aluno lá fora que se apresenta uniformizado, mas não sabe uma questão da prova!? Nenhum professor, em sã consciência, premia apenas comportamento ou asseio. O aluno precisa demonstrar seu domínio do assunto de forma efetiva. Do contrário, é reprovado!
Em segundo lugar, ela testa o conhecimento dos alunos. Imagine uma escola sem provas? Como saber o que o aluno realmente sabe? Como extrair seu domínio de um assunto sem uma avaliação? Nas igrejas, via de regra, provas são sinônimo de constrangimento. Tememos expor nossos alunos a uma palavras cruzadas ou um questionário mais aprofundado. Ainda que as lições da EBD, por exemplo, tragam tais recursos. Por falar na EBD, eu me lembro que ali, em Cruz de Rebouças II, as senhoras, algumas das quais avós, brigavam comigo quando as cópias das palavras cruzadas sobre a lição acabavam antes de chegar às suas mãos.
Crianças, adolescentes e jovens (e pessoas de qualquer idade) precisam de desafios. Não é à toa que nações desenvolvidas como o Japão e os EUA estimulam seus jovens, desde bem cedo na vida, a serem testados. E os índices vão melhorando a cada dia. O aprendizado tem que ser desafiador, assim o aluno estará sempre motivado a aprender. Afinal, motivar é dar motivos!
Esse é um tabu que precisamos derrubar. E usar os resultados da avaliação para atacar os gaps[1]. Há anos propomos aqui no blog um ENEM teológico, ou que nome se dê, para professores de EBD e outros cargos afeitos ao ensino em todo o Brasil. Tal empreitada poderia ser encampada pela CGADB ou alguma outra entidade de abrangência nacional. Assim, poderíamos identificar os bolsões de dificuldade e atuar neles. Se o problema é leitura, bibliotecas nele! Se é recursos audiovisuais, investimento neles! E por aí vai.
Em terceiro lugar, selecionam os professores mais preparados. Devemos ter os melhores também, não apenas para lidar com crianças especiais, como preparados teologicamente. Atuar em deficiências é interessante, mas acaba sendo somente uma vitrine que embota os problemas básicos da educação bíblica na Igreja. Na verdade, em muitos lugares o critério é ter paciência com elas. E em não poucos, isto significa ficar rouco e gritar até vomitar os pulmões. Sistemas de ensino secular bem sucedidos, como os da Finlândia[2] e Coreia do Sul, selecionam os melhores professores para seus alunos com base em sua formação educacional. No primeiro país, por exemplo, ninguém ensina no pré-escolar sem um mestrado!
Em quarto lugar, as melhores escolas usam maciçamente recursos audiovisuais. Infelizmente, muitos professores ignoram o valor de um quadro, um mapa, uma gravura, um conjunto de slides, um datashow. E muitos pastores torcem o nariz para investir nisso e não cobram de seus docentes, porque a cobrança se viraria contra a própria instituição. Noutros casos se faz o investimento e o professor despreza!
Vamos apresentar de maneira científica o valor de tais recursos[3]. Observe as tabelas abaixo:
A primeira diz respeito à retenção em si mesma, avaliada de maneira geral. A segunda diz respeito à retenção através do tempo. Não deixam dúvidas que uma aula enriquecida com materiais audiovisuais trará maior aproveitamento para os alunos. O professor não pode exagerar na dose e deve estar familiarizado com o material apresentado. E os recursos audiovisuais nem sempre prescindem da qualificação do professor, são apenas métodos mais eficientes de transmissão do que o docente sabe.
Igrejas há que utilizam tais recursos para o bem de suas crianças, adolescentes e jovens. Eles retem o aprendizado mais facilmente. A liderança é preparada e procura servir a Palavra aos ouvintes, tornando-os pessoas verdadeiramente conhecedoras da Bíblia. Infelizmente, são a exceção, não a regra. Via de regra, um culto típico de doutrina é entremeado pela ênfase em usos e costumes, há pouca leitura bíblica e pouco tempo para a exposição de qualidade da Palavra de Deus.
Em quantas de nossas igrejas são utilizados um quadro ou projetor num culto de ensino da Palavra de Deus? Quantos tem acesso impresso ou online aos temas centrais de um culto de doutrina ou estudo bíblico?
Em quinto lugar, as melhores escolas suprem deficiências educacionais da família. Infelizmente, nem todos os pais dão valor à educação, leem com e para seus filhos ou os incentivam a estudar. Boa parte ignora completamente a realidade escolar, falta às reuniões, não acompanham atividades como a lição de casa e por aí vai. A escola não pode adotar uma posição passiva neste processo, mas envidar todos os esforços para que o aluno se descole desta realidade alienante.
Em relação à Bíblia é o mesmo problema. O brasileiro em geral lê muito pouco. Esta falta de leitura se reflete na Igreja. As crianças e adolescentes não são estimuladas a ler a Bíblia pelos pais e desconhecem as doutrinas centrais da Palavra de Deus. Em decorrência disso, a igreja recebe pessoas que apesar de se dizerem evangélicas desde o nascimento, pouco da Palavra de Deus leem.
Os que lidam diretamente com crianças, adolescentes e jovens devem estimulá-los a ler. Sou um leitor assíduo graças, entre outras coisas, a um estímulo simples que havia na EBD, quando eu era criança. Não sei por iniciativa de quem, aquele que recitasse de cor o texto bíblico da lição daquele dia ganhava um presente. Em muitos domingos era eu o premiado. Aos 14 anos já tinha lido a Bíblia toda. De lá pra cá já li mais uma vez. E livros completos já li centenas de vezes.
Em sexto lugar, temos que pensar de maneira estratégica. Hoje na escola secular a ideia é fazer com que tanto as escolas urbanas, quanto as interioranas se desenvolvam. Temos lido notícias de cidades do Sertão pernambucano, por exemplo, que se destacam nacionalmente, frente às instituições metropolitanas. Isso é ótimo. Na igreja, via de regra, temos ilhas de excelência, com experiências estanques (que não se comunicam entre si).
Temos que interiorizar o ensino teológico junto a nossas crianças e jovens. Morar num local afastado é um mero detalhe geográfico. Temos que trabalhar com políticas de longo prazo, planejamento pedagógico de primeira linha para todos e avaliar periodicamente o progresso dos métodos empregados, corrigindo as distorções. Devemos implantar o PDCA em nosso trabalho docente:
P = Planejar, D = Fazer, C = Checar, analisar e A = Agir. E, obviamente, melhorar continuamente o ciclo.
Vou ficando por aqui, mas concluo dizendo que a continuarmos desprezando estas variáveis a tendência é a ignorância bíblica crescer a um ponto em que percamos cada vez mais crianças, adolescentes e jovens.
Você não concorda comigo? Por favor, comente e diga o por quê!
[*] O Marcelo Edson me socorreu com a frase do Paul Washer!
[1] Chama-se gap a distância entre a posição atual e o que deve ser alcançado em determinado projeto
[2] Conheça aqui um pouco da realidade educacional finlandesa
[3] FERREIRA, Oscar Manuel de Castro; JÚNIOR, Plínio Dias da Silva. Recursos Audiovisuais para o Ensino. São Paulo: EPU, 1975.
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