Os pregadores-mirins e a banalização do púlpito
Por Gutierres Fernandes Siqueira
Há poucas semanas o jornal The New York Times, o mais influente periódico do mundo, dedicou uma longa matéria intitulada The Child Preachers of Brazil sobre um fenômeno crescente neste país: os pregadores-mirins. Confesso que ao ler a matéria tive aquele sentimento estranho e constrangedor de vergonha alheia. E, sendo pentecostal, a minha vontade era puxar a orelha dos pastores que aceitam tal modismo.
É triste ver pastores, pais e igrejas que permitem e incentivam crianças a exercerem o ministério da Palavra. Normalmente essas crianças repetem chavões de pregadores-estrelas, especialmente daqueles que usam o púlpito como show de auditório. Tais pessoas desprezam todos os ensinamentos das Epístolas Pastorais sobre a seriedade do ministério público de pregação. Estão brincando com algo sério e ainda prejudicando a infância de inúmeras crianças.
Em primeiro lugar, o ministério da Palavra não é espaço para experimentalismos exóticos. Ou seja, o púlpito deve ser levado a sério porque é o espaço da Palavra de Deus. O púlpito não é o Programa do Raul Gil ou uma espécie deThe Voice. Não é espaço para pregadores de piadas, contadores de histórias ou quem mais não entenda a principal função do pregador: que é expor a Palavra de Deus com compromisso, dedicação, disciplina e boa exegese. Infelizmente, o púlpito hoje é acessado por qualquer pessoa, mesmo aqueles que nada têm a dizer. O espaço da pregação virou uma espécie de Casa-da-Mãe-Joana. Você sairia de sua casa para assistir a aula de um professor universitário de sete anos? Você colocaria uma babá de oito anos para cuidar dos seus filhos recém-nascidos? Você convocaria crianças de seis anos para a guerra? Então, por que com as coisas de Deus a bagunça pode imperar? Como um pregador de seis ou dez anos fará uma boa exegese do texto bíblico? Esse tipo de atividade deve ser preocupação de uma criança?
É impossível ler as Cartas Pastorais e ignorar que o Ministério da Palavra não é para qualquer voluntário, mesmo que seja o mais piedoso do mundo, ainda mais para uma criança, pois é necessário qualificações e vocação. Como um infante pode ser guardião da doutrina? Ou ainda alguém que seja capaz de ensinar, exortar e aconselhar? Como uma criança poderá ter discernimento suficiente para combater falsos ensinos e falsos profetas? Como uma pessoa de tenra idade pode discernir os tempos? Sim, é possível ser maduro jovem, mas não é possível alcançar maturidade nas fases da infância. Como uma criança pode ter ciência da advertência de Tiago: “Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor” [3.1]. Os garotos prodígios na história existem e são raríssimos, mas não na história de Igreja.
E o curandeirismo infantil? A matéria mostra que a algumas pregadoras infantis é atribuído um dom especial para cura divina. Onde está escrito na Palavra que o dom de curar deve ser exercido como um ministério próprio? Essa pergunta serve tanto para crianças quanto para adultos. Não há espaço na Palavra de Deus para que um ministro do Evangelho seja integralmente dedicado à cura divina. O comportamento dessas igrejas é semelhante à crendice em algumas cidades pequenas onde crianças mortas em tragédias são normalmente beatificadas com altares como se fossem santas intercessoras não oficializadas. O nível de superstição é semelhante entre esses grupos religiosos onde apenas a morte separa a insanidade entre o catolicismo popular e o evangelicalismo de massa.
Ou para resumir: não se trata de censurar a doçura da infância e nem mesmo de desacreditar que Deus pode eventualmente usar uma criança para falar ao coração do crente, mas é necessário cuidado: o púlpito não é show de calouros. O púlpito é um espaço tão sério que qualquer aspirante deveria pensar muitas vezes antes de acessá-lo. É desumano exigir tamanha responsabilidade de uma criança.
Fonte: http://www.teologiapentecostal.com/2015/09/os-pregadores-mirins-e-banalizacao-do.html?spref=fb