Os evangélicos e as igrejas evangélicas nunca tiveram tanta notoriedade como nos últimos anos. Não é coisa rara você se deparar com pastores e cantores evangélicos em programas de grande audiência em canais de destaque na TV aberta. Sem contar a visibilidade que muitos construíram de forma independente na internet, como canais do Youtube e em outras redes sociais.

Cada entrevista dada por um pastor e cada música cantada comunicam uma mensagem teológica. Milhares de pessoas, cristãs e não cristãs, estão consumindo, ou pelo menos ouvindo, mensagens que falam sobre a Bíblia, Jesus e o evangelho. A pergunta que se coloca é qual a teologia que está sendo comunicada e assimilada por quem recebe essas mensagens?

Neste cenário de inúmeras vozes comunicando aos quatro ventos se faz imprescindível a figura e o papel do pastor. Mas nesta disputa de narrativas, como o pastor de uma igreja local pode atuar como teólogo para instruir sua comunidade de fé? Afinal, todo pastor é ou deveria ser um teólogo? Todo teólogo é um pastor? O que há em comum entre um e outro?

Jorge Henrique Barro afirma[i] que pastores precisam de uma revisão ministerial para discernir o lugar e o papel da teologia em seus ministérios pastorais. “É preciso entender e reconhecer que a teologia não está confinada nos três ou quatro anos dos seus estudos teológicos (e isso para quem fez) seja qual for a escola que estudou”, argumenta Barro. Ele acrescenta:

“A teologia jamais deveria ocupar um lugar secundário na vida dos pastores. É lindo e emocionante ver um pastor sintonizado com seu tempo, trazendo para o púlpito alimento sólido, histórias redentivas do amor de Deus, sinalizando caminhos para o povo de Deus possa seguir em esperança. Ser um pastor-teólogo é viver na encruzilhada do texto com o nosso contexto. Um pastor que pouco lê, pouco tem a dizer.”

Para que serve o pastor e porque existe a igreja?

Na introdução do livro Tornando-se um Pastor-Teólogo[ii], Todd Wilson e Gerald Hiestand afirmam que os pastores estão passando por uma crise de identidade – eles não sabem quem são nem o que deveriam fazer. Eles escrevem: “Por trás dos sorrisos generosos, dos sermões inspiradores, das campanhas multimilionárias de construção e de expansões ministeriais cada vez maiores, está escondida no coração e na mente de muitos pastores a confusão quanto ao que o pastor deve ser e o que deve fazer.”

É provável que não exista outra pro­fissão que sofra com tanta falta de clareza quanto ao signi­ficado do trabalho. Talvez esse seja o motivo pelo qual tantos pastores renunciam ao cargo todos os anos, abandonam o ministério sem nunca desejarem voltar ou fazem tentativas quase sempre insanas de ocultar a confusão e o desgaste que sentem com diferentes formas de automedicação, que vão de bebida, pornogra­fia, casos extraconjugais, comida em excesso, obsessão por dinheiro ou poder ao completo desapego emocional da vida das pessoas que eles pastoreiam – ou do próprio Deus.

Kevin Vanhoozer, também no livro Tornando-se um Pastor-Teólogo, fala sobre a crise de identidade dos pastores. Para ele, os pastores precisam recuperar sua vocação e identidade como teólogos públicos locais, pois disso depende o bem-estar da igreja e sua missão. Para Vanhoozer, na verdade, essa questão trata-se de pensar não muito nos pastores e sim nas igrejas e se perguntar: para que servem os pastores e porque existe a igreja em vez de nada?

A falsa dicotomia entre conteúdo e prática

Jorge Henrique Barro comenta que um problema muito frequente é a falsa dicotomia entre conteúdo e prática. Muitos pastores dizem que seu ministério é prático e não acadêmico, quando, na verdade, toda prática está fundamentada em conceitos. Resta saber se com conceitos bons ou ruins.

No capítulo três do livro Tornando-se um Pastor-Teólogo, Kevin Vanhoozer também aborda a dicotomia “pastor versus teólogo” e explica: “Confinamos a teologia em uma ciência teórica, uma especialização, e o pastorado, em uma esfera prática, uma profissionalização. O resultado é que já não encorajamos os alunos mais inteligentes no seminário a obterem seus PhDs para que possam servir à igreja, e, ao mesmo tempo, obter um PhD para servir na academia não é visto como algo tão útil assim. Por um lado, temos teólogos que não praticam a teologia. Por outro, temos pastores que podem interpretar o estudo, mas eles mesmos não conseguem fazê-lo.”

Comentando sua outra obra, O Pastor Como Teólogo Público[iii], Kevin Vanhoozer afirma que o pastor deve ser um teólogo e que ser um pastor-teólogo é mais desafiador do que ser um professor ou acadêmico, já que, segundo ele, o professor só precisa saber as coisas, enquanto o pastor precisa ser sábio. Vanhoozer defende ainda que pastores precisam ser teólogos porque a Igreja existe para servir o mundo. Ele argumenta:

“Os pastores não são teólogos apenas para suas congregações locais. A Igreja existe para servir o mundo. A Igreja é a força motriz de uma nova criação. Renovar a criação é o projeto teológico final. E o pastor supervisiona produções locais que nos proporcionam um antegozo desse reino de Deus.”[iv]

Para Vanhoozer, teologia é o projeto de buscar falar e mostrar entendimento daquilo que o Deus trino está fazendo em Jesus Cristo e por meio dele pelo bem de todo o mundo, e isso é muito importante para ser deixado para os acadêmicos. Vanhoozer compreende a teologia pública como a teologia que se refere a pessoas. “Igreja é um público, igreja se reúne num local. Por isso ser pastor é mais desafiador que ser teólogo, porque você precisa lidar com as pessoas. Não só trabalhar com as pessoas, mas ao lado delas. Se você é pastor, as pessoas são o meio de sua teologia. Está tentando moldar essas pessoas para serem uma nação santa, o povo de Deus em determinado local”, argumenta o autor. Ele lamenta[v] que muitos alunos de teologia preferem seguir a carreira acadêmica teológica porque não têm bons referenciais de pastores teólogos.

Oito marcas de um pastor-teólogo

  1. “O pastor-teólogo entende os tempos e épocas. A teologia não acontece no vácuo, do nada. Um púlpito e educação cristã sem realismo e realidade conjuntural é desprovido de sentido para as pessoas. Pastores precisam levar a sério o hoje, os fatos, os acontecimentos, os noticiários. A palavra do Senhor precisa vir para esses contextos. Deus nos chama para termos palavra para o nosso tempo. Pastores que não sabem fazer pontes entre os tempos bíblicos e os tempos presentes precisam prestar atenção à hermenêutica!”
  2. “O pastor-teólogo entende o plano de Deus para o mundo. “A reflexão teológica que não está a serviço da missão de Deus é um despropósito. A missiologia é a mãe da teologia. Não estudamos teologia por causa da teologia. Estudamos para entender e para desenvolver a missão de Deus no mundo. Sem missão, a teologia se trunca, disse Orlando Costas. Por isso, todo pastor deve ser um teólogo da missão. O ministério pastoral não é um fim em si mesmo; é um meio para equipar o povo de Deus para cumprir a missão de Deus!”
  3. “O pastor é um geógrafo social, alguém que deseja “escrever” o evangelho na mente e no coração de um povo reunido em um determinado lugar. “O pastor de uma igreja local é um construtor de lugares cuja missão é transformar uma congregação em um lugar adequado para o Espírito de Cristo, um lugar no qual certas atividades promoverão a cidadania celestial coletiva sob condições terrenas históricas. O pastor deseja ajudar cada membro do rebanho a encontrar seu lugar no mundo, a saber seguir a Cristo aqui e agora como discípulo dele.”
  4. “Os pastores devem conduzir seus rebanhos a águas mais profundas do batismo, mais profundas naquilo que o Deus trino está fazendo na – e por meio da – morte e ressurreição de Jesus. É assim que eles cumprem a Grande Comissão: ‘Vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei’ (Mt 28.19-20). Pastores fazem discípulos ao conduzirem as pessoas ao que o Deus trino está fazendo em Cristo.”
  5. “Pastores são teólogos públicos porque trabalham com pessoas para pôr a teologia em prática. Esse é um trabalho árduo; é mais difícil trabalhar com pessoas do que com ideias. Se você quiser um desafi­o real, não vá estudar teologia acadêmica; vá para o pastorado. Mas o povo de Deus – as igrejas locais – são os locais públicos onde a vida de Cristo é lembrada, celebrada, examinada e exibida.”
  6. “Existem intelectuais tanto na academia como na sociedade, mas são poucos e raros. Muitos estudiosos são especialistas que sabem muito sobre poucos assuntos, mas não sabem o que falar em se tratando das grandes questões. Os pastores discutem as grandes questões – da vida e da morte, do sentido e da falta de sentido, do físico e do espiritual – com frequência e precisam fazer isso de uma maneira que eles consigam comunicar com os não acadêmicos.”
  7. “O que ameaça o rebanho de Jesus Cristo não são leões ou ursos (1Sm 17.34-35), mas a falsa religião, a doutrina incorreta e as práticas ímpias. Os que lideram precisam, em certos aspectos, estar à frente de sua congregação. Os pastores não precisam ser acadêmicos, mas precisam estar fundamentados na teologia bíblica, o quadro histórico–redentor completo que une o Antigo e o Novo Testamento e se concentra em Cristo.”
  8. “Os pastores não são chamados a praticar a teologia acadêmica, mas a ministrar compreensão teológica, ajudando as pessoas a interpretarem as Escrituras, sua cultura e sua própria vida em relação à grande obra de redenção de Deus resumida em Cristo. Mais uma vez, o teólogo é um generalista que fala sobre coisas em geral (a renovada ordem criada) em relação a uma coisa em especí­fico: o evangelho de Jesus Cristo.”

Notas


*Os pontos 1 e 2 foram retirados do artigo O pastor como teólogo, de Jorge Henrique Barro.

**Os pontos de 3 a 8 foram extraídos do capítulo três do livro Tornando-se um Pastor-Teólogo.

Sugestões de leitura


O Pastor Como Teólogo Público (Editora Vida Nova)

Tornando-se um Pastor-Teólogo (Editora Ultimato)

Todos Somos Teólogos (Editora Fiel)


Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.